Aborto e dor
Segundo as estatísticas, uma em cada
cinco gestações não evolui. Uma em cada cinco mulheres que engravidaram,
estão sem seus filhos nos braços. Somos muitas, mas é considerado um tabu falar
a respeito.
Assim que
a mulher planeja engravidar, já nasce uma mãe e junto com ela surge uma imensa
carga de expectativas.
A
gravidez é um momento especial na vida de uma mulher, uma experiência única.
Época de mudança e descoberta de emoções e comportamentos até ali desconhecidos.
Novas identidades, novos significados existenciais, novos papéis, novas exigências
e necessidades afetivas em relação aos outros, principalmente ao filho, a quem
a mulher se sente ligada desde o inicio por uma relação de dependência mútuo e
progressiva.
A
interrupção da gravidez é uma perda muito séria e demanda, sim, um período de
dor e de sofrimento.
Quando a
gravidez é interrompida de forma inesperada, a dor é incalculável e solitária. Outras pessoas da família também sentirão a perda, mas ninguém sentirá a
dor do mesmo jeito que a mulher. O sentimento de impotência e incapacidade são
profundos e dolorosos.
É muito comum a mulher se perguntar o que ela fez de
errado. Se foi por causa de algum esforço físico,
por trabalhar muito, por não se alimentar tão bem ou até mesmo por um
castigo divino. Procura encontrar motivos, mesmo que incoerentes, causando
ainda mais sofrimento.
Luto
O aborto
é um processo traumático ligado a perda de um objeto de amor. A perda de um filho que nunca chegou,
nunca foi ou será carregado, nunca se ouvirá seu choro ou sentirá seu cheiro, gera
inúmeros conflitos emocionais.
É
importante que o tempo de luto aconteça e que ele seja respeitado, sem ser
considerado um exagero. O ideal é que aconteça o processo de elaboração, onde a
mulher irá se entristecer e sentir a perda. É apenas entrando em contato com a dor que a
mulher conseguirá dar lugar à saudade e, assim, prosseguir sua rotina e se
permitir investir em outras atividades.
Não
significa que a dor um dia irá acabar, a perda de um filho é uma dor
insuportável e a reconstrução só se torna possível quando se tem a liberdade de
expressar sua dor e de renascer a partir da experiência vivida. A mulher nunca
mais será a mesma, mas pode se tornar alguém melhor e mais forte.
O amor não morre, o amor que se
tem por aquele bebê, independente da fase da gestação que se encontrava, será
eterno. Não é preciso tentar esquece-lo.
O processo
de luto precisa ter início, meio e fim. Não existe um tempo determinado para acontecer,
pois cada mulher irá lidar com isso de forma diferente, mas quando ele passa a
influenciar de forma muito negativa e paralisadora, sem que haja mudanças na
maneira de enfrentar a perda, acontece o luto patológico, necessitando de ajuda
profissional.
Fases
do luto:
1. Negação - a mulher não aceita
que teve um aborto e tenta se convencer de que era um sonho.
2. Raiva - ela passa a se
questionar por que aconteceu. chora e grita na tentativa de eliminar esse
sentimento ruim.
3. Barganha - é aquele momento de
oferecer algo em troca de uma nova gestação. Há casais que fazem até promessas.
4. Depressão - a tristeza
profunda aparece quando os futuros pais se dão conta de que a perda é real.
5. Aceitação - o casal entende
que é preciso passar por aquilo e seguir em frente.
Como prestar apoio?
Mais do que deve ser dito, o importante é mostrar
que a pessoa não está sozinha, que tem alguém que a compreende e está
disponível.
Evitar dar conselhos
impeditivos do luto como: "Foi melhor assim"; "Provavelmente não
estava na hora"; "Vocês vão engravidar novamente"; "Muitos
passam por isso"; "É normal acontecer, então não precisa
sofrer"; "Olhem o lado bom, agora terão um anjo olhando por
vocês", entre outros.
O
aborto é uma profunda dor narcísica, mas não é irreparável. Com o devido
suporte e tempo a mulher pode lidar melhor com o ocorrido. Porém, é crucial manter em mente que
a pessoa não voltará a ser a mesma. Um processo de luto como esse traz uma
infinidade de novas concepções e significados acerca da vida. Isso não
significa que haverá prejuízo ou que será uma mudança negativa, apenas que as
coisas serão vistas de outra maneira depois de passar por isso.