terça-feira, 4 de novembro de 2014

A deusa Baubo




Deméter,  a mãe-terra,  tinha uma linda filha chamada Perséfone, que estava  um dia brincando ao ar livre.
 Perséfone  encontrou por  acaso uma flor de rara beleza  e estendeu os dedos  para tocar
seu  lindo cálice.    De repente, a terra começou  a tremer e uma gigantesca fenda se abriu
em  ziguezague.     Das profundezas da terra chegou Hades,  o deus dos Infernos.  Ele
chegou alto e majestoso numa biga negra puxada por quatro cavalos da cor de fantasmas.
Hades apanhou Perséfone, levando-a para sua biga, em meio a uma confusão de véus e
sandálias.    Ele guiou, então seus cavalos cada vez mais para dentro da terra.   Os gritos
de Perséfone foram ficando cada vez mais fracos à medida que a fenda foi
se fechando como se nada tivesse acontecido.    Por toda a terra,  abateu-se um silêncio e o perfume de flores  esmagadas.    E a voz da donzela a gritar   ecoou nas pedras das montanhas   e   borbulhou num lamento vindo do fundo do mar.    Deméter ouviu os gritos das pedras.
 Ela ouviu,  também,  o choro das águas.   Arrancou,  então, a grinalda dos seus cabelos
imortais,  deixou cair de cada ombro seus véus escuros e saiu a sobrevoar a terra como
uma ave enorme,procurando, chamando por sua filha.   Naquela noite, uma velha à
frente de uma gruta comentou com suas irmãs que havia ouvido três gritos naquele  dia
um,  o de uma voz jovem que gritava de pavor;  um outro que implorava ajuda;   e um
terceiro, o de uma mãe que chorava.   Não se via Perséfone em parte alguma.   E assim
começou a procura longa e enlouquecida de Deméter por sua filha querida.   Deméter
esbravejava,  chorava, gritava, fazia perguntas,  procurava debaixo,  dentro e em cima de
todos os acidentes geográficos,  implorava por misericórdia,  implorava pela morte,  mas
não conseguia encontrar sua filha amada.
Assim,  ela,  que havia gerado o crescimento perpétuo tudo,  amaldiçoou todos os campos férteis do mundo,  gritando na sua dor.
— Morram! Morram!
Em decorrência da maldição de Deméter,  nenhuma criança poderia nascer,  nenhum trigo poderia crescer para se fazer pão,  nenhuma flor para as festas,  nenhum ramo para os mortos.      Tudo ficou murcho e esgotado na terra toda queimada  e nos seios secos.
A própria Deméter não mais se banhava .    Seus mantos estavam encharcados de lama;
seus cabelos pendiam em cachos imundos.      Muito embora a dor no seu coração
fosse tremenda,  ela não se entregava.    Depois de muita investigação,  de muitos pedidos e de muitos incidentes,  tudo levando a nada, ela afinal perdeu as forças ao lado de um poço numa aldeia onde não era conhecida.    E quando recostou seu corpo dolorido na pedra fresca do poço,  chegou por ali uma mulher,  ou melhor, uma espécie de mulher.  E  essa mulher chegou dançando até Deméter,  balançando os quadris de um jeito que
sugeria a relação sexual,  e balançando os seios nessa sua pequena dança.    E, quando
Deméter a viu,  não pôde deixar de sorrir um pouco.    A fêmea que dançava era
realmente mágica,  pois não tinha nenhum tipo de cabeça,  seus mamilos eram seus olhos
e sua vulva era sua boca.    Foi com essaboquinha que ela começou alegrar  Deméter com algumas piadas picantes e engraçadas.    Deméter começou a sorrir,  depois deu um
risinho abafado e em seguida uma boa gargalhada.   Juntas, as duas mulheres riram, a
pequena deusa do ventre,  Baubo, e a poderosa deusa mãe da terra, Deméter.   E foi exatamente esse riso que tirou Deméter da sua depressão e lhe deu energia para
prosseguir na sua busca pela filha,  que acabou em sucesso, com a ajuda de Baubo, da
velha Hécate, e do sol Hélios.    Restituíram Perséfone à sua mãe.    O mundo, a terra e o
ventre das mulheres voltaram a viver.

Clarissa Pinkola Estés.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário